terça-feira, 28 de junho de 2011

The Kids ou o sonho cruel da realidade





A geração que hoje atravessa a terceira década de vida certamente conhece The Kids Aren´t Alright, música da provavelmente mais popular fase da banda Offspring. Nela, os roqueiros contam a história de uma geração simbolizada por uma vizinhança decadente. De sonhos e promessas à cruel realidade, a canção se apresenta, para mim, como um dos grandes momentos da música com guitarras distorcidas dos últimos tempos. Sugiro, mesmo, aos leitores que se não puderem ver o vídeo acima colocado com legendas, que ao menos procure a letra.
Às vésperas da estréia no Mundial sub19 contra a potência do basquete, Rússia, um dado me chamou particular atenção: o nosso retrospecto contra os ex-soviéticos em mundiais da categoria. No confronto direto, temos vantagem de 1-0. O expressivo resultado foi conquistado em 1999, em Portugal, ainda em uma frase de grupos. No final, a Rússia terminou em sexto lugar e o Brasil em oitavo. Veja todos jogos da campanha:
Campanha Completa
15 Jul. 1999
vs ESP
16 Jul. 1999
vs NGR
17 Jul. 1999
vs LAT
19 Jul. 1999
vs RUS
20 Jul. 1999
vs EUA
21 Jul. 1999
vs ARG
24 Jul. 1999
vs AUS
25 Jul. 1999
vs GRE
Como toda competição deste nível, muitos nomes despontam e muitos ficam pelo caminho. No time russo que vencemos, havia o hoje conhecidíssimo Kirilenko além do também campeão europeu Nikolay Padius. Na Espanha, campeões do torneio (e que perdemos bem de pouco), o elenco é ainda mais impressionante, com nomes como os geniais Juan Carlos Navarro e Pau Gasol, e os menos estelares mas também brilhantes Felipe Reyes, Raúl Lopez, Berni Rodriguez e Carlos Cabezas. Na Grécia, os pivôs Papadopoulos e Antonio Fotsis puxam a fila. Na Croácia, Zoran Planinic esquentava banco e na Argentina, que nos massacraram com certa facilidade e que tinha mesmo uma geração muito pior do que a anterior, estavam Kammerichs e Leiva, pivôs importantes mais tarde, em clubes e na seleção. Da Austrália, o ótimo David Andersen dominava o garrafão, entre outros nomes com mais ou menos destaque no mesmo torneio.
Essa longa abertura serve para dizer menos que queremos analisar o que significam essas competições internacionais de base e mais para mostrar que nossa geração competia no mesmo nível contra a nata do basquete mundial da mesma geração. No entanto, ignorando certo catastrofismo, para o nível esportivo, o destino da geração não foi tão diferente do que dos vizinhos cantados pelo Offspring.
Vejamos o elenco da digníssima participação brasileira no site com os nomes em inglês ou na improvisada tabela clicando aqui, já com os nomes pelos quais são conhecidos aqui.
Não é má vontade de nossa parte dizer que nenhum dos atletas acima listados foram destaques internacionais. Com exceção de Guilherme Giovannoni, nenhum deles teve carreira considerável fora do país. Mais uma vez, com exceção do piracicabano, nenhum é considerado nome importante do basquete nacional. Diego é o único a fazer companhia ao então companheiro na lista de Magnano e sabemos que sua presença lá é a mais contestável. Mesmo Guilherme, que considero um craque, está longe do nível de alguns dos citados como destaques naquela competição, mas isso é outro assunto. A análise que propomos dos sonhos desperdiçados fica ainda mais catastrófica se formos nome a nome.

O simpático Di, líder do time no Mundial, se tornou um obscuro ala coadjuvante do basquete paulista que foi perdendo espaço a medida que o profissionalismo brasileiro avançava. Só terá espaço em times de ponta do país se vier do banco. Sinceramente, não sei por onde anda. Diego se tornou importante peça de escape ofensivo e nada muito além. É comum ouvir elogios ao seu talento e críticas às suas escolhas dentro de quadra. Lucas Costa (foto ao lado) mostra desenvoltura e um interessante arsenal ofensivo jogando pelos times capixabas. Seu melhor momento foi quando comandado por Paulo Murilo, interrompido pela falta de pagamentos do time do Saldanha que o obrigou a mudar-se para São Paulo. Jogou pelo Cetaf, mas não empolgou. Tiagão se tornou um dos melhores pivôs do basquete nacional. Tem bom chute de fora e interessante jogo interno. Não tem nível, no entanto, para jogar jogos mais difíceis, e por isso, raramente é lembrado para seleção. Jefferson Sobral dificilmente terá time para jogar no NBB 4. Teve passagem confusa por Joinville e lamentável em Araraquara. Amigo de Nenê, vira e mexe aparece tentando jogar Summer Leagues, mas sem nenhum sucesso. Da lista, Manteguinha é provavelmente o mais talentoso dos baixos. Acerta seu retorno para o basquete carioca na tentativa de ser um dos nomes da retomada do Tijuca. Chegou a ser convocado para a seleção principal recentemente mas, machucado, não apareceu. João Paulo Lima é recifense e até cheguei a confundir com Batista, mas não. É um pivô obscuro que jogou o NBB 1 pelo Londrina. Teve alguns problemas legais e não sei por onde anda. Luiz Felipe Lemes jogou em BYU com Baby e tem rodado no país desde que se formou nos EUA. Primeiro no Minas, depois no Paulistano, ainda está sem time para o NBB 4. Chegou a jogar por seleções em torneios menores, mas também não empolga ninguém. Guilherme Giovannoni teve passagens em divisões de acesso na Espanha e na Itália e chegou a fazer boas temporadas na Lega A. Decidiu voltar ao país e, desde então, se tornou atleta de elite da liga nacional. É sem dúvida o único nome incontestavelmente bem sucedido da lista e, ainda que não seja um jogador da elite do basquete mundial, tem sim uma carreira de sucesso. Jorginho jogou o primeiro NBB por Assis e desde então não tem mercado. Jogador de personalidade forte e bastante inteligente, usou o basquete para viver experiências de vida, mas não conseguiu emplacar na carreira e confesso não saber o que anda fazendo. Thomas Gerke foi reserva do Pinheiros nos últimos tempos e não sei se continua por lá com a contratação de tantos reforços. Dificilmente encontrará mercado para o NBB 4. Gil foi pivô no Fluminense na época de Marcelinho e pelo que soube, não joga mais basquete.
Notamos assim que nenhum joga fora do país. E pior que isso, apenas Guilherme, Diego e Manteguinha não estão procurando emprego. Com tantos anos de crítica do basquete brasileiro, ainda não havia encontrado um exemplo tão gritante para o desperdício de uma geração e uma expressão tão latente do que há de mais grotesco na organização do basquete brasileiro do que o que aconteceu com essa promissora geração. Adaptando a música citada do Offspring, a pergunta que fica é, como pôde, um trabalho tão grotesco engolir tantas vidas? E para tanto, nos últimos 10 anos, não houve nenhum trabalho estrangeiro por aqui. Não houve nenhum jogador nascido nos EUA se naturalizando brasileiro para roubar a vaga de ninguém. Foi a própria bagunça de federações, confederação e clubes criaram que acabaram por praticamente enterrar uma geração que se não venceu, ao menos jogou em alto nível com o que havia de elite no basquete mundial jovem da época (com exceção do sempre remendado time dos EUA sub19) e que resultou em grandes craques do nosso basquete de hoje. Algo que fica é que esses dirigentes ou continuam onde estão ou seguem suas carreiras em outros ramos do trabalho. Muito se fala que a torcida brasileira é quem mais sofre no processo o que não é inteiramente verdade. Na ponta mais frágil disso tudo estão esses sonhos desperdiçados. Tudo que poderia ser mas não foi.

Gosto e torço tanto por essa geração que disputará o Mundial sub19 nos próximos dias que confesso ter calafrios ao imaginar que posso escrever texto semelhante sobre eles em 2021. Os dirigentes de clubes e federações brasileiras, os manda-chuvas da CBB e os próprios agentes e pais de atletas têm imensa responsabilidade de decidir nas escolhas das carreiras de Raulzinho, Felipe Vezaro, Taddei, Lucas Bebê, Gabriel Aguirre, Cristiano, Davi, Ícaro (que nem lá está, por contusão), Arthur, entre outros. O destino pode ser catastrófico. Há de se lutar, pelo bem de nosso basquete e, principalmente, pelos garotos, que as coisas sejam diferentes. A bola que sobe na Letônia é só uma parte da longa caminhada. Não desperdicem outros sonhos.

18 comentários:

  1. Parabéns pelo artigo! O melhor do ano!!

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  2. Fantástica esta matéria. Infelizmente, ainda acredito que teremos novas chances de escrever matérias deste tipo. O basquete brasileiro é muito defasado na base e ainda faz com que muitos atletas de ponta não evoluam ou simplesmente parem de jogar. A realidade dói.

    Abraço,
    Caio Casagrande

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  3. Se não me engano, o Di jogou o Novo Milenio por Campinas.

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  4. Cara!
    Ei VC acredita se eu disser que eu estava vasculhando essas estaísticas ontem a noite depois de ter escrito um comentario no Bala na cesta perguntando para o Bala sobre os caras do Mundial de 2007.

    Ele me respondeu e citou q acreditava que dos de 2007(tirando o Paulão) q vigariam seria Cauê e Betinho( q ru citei no comentário p/ o Bala) e do carlinhos ortega, henrique e carlão.
    Olhando os números na CBB ainda podemos citar o Thiago Melazzo e o Bruno Ferreira dessa seleção( q inclusive em um dos posts anteriores outro leitor disse q o Carlão e o Bruno Ferreira estava voltando p/ o país)

    Mas como Vc disse no seu Post: a pergunta que fica é, como pôde, um trabalho tão grotesco engolir tantas vidas?

    Éh, o problema é além do estrutural, temos poucos jogadores promissores que chegam à uma chance de jogar na seleção de base e quando terminam a sua passagem pela seleção eles tem que "fugir" do País já que aqui eles são preteridos por jogadores agregados pela padrinhagem (e q ñ tem o potencial dessas nossas Melhores promessas) e por Falso ideal q prefere a total vassalagem à preferêcia as nomes dos jogadores ( sejam eles estrangeiros ou frágeis veteranos ).

    Desses jogadores do Mundial de 1999, ñ vi eles surgindo( era muito garoto e ñ acompanhava o Esporte ), mas dos que eu pude assistir nesses últimos anos tive uma excelente impressão do Jorginho, do Lucas Costa.
    Para min a culpa ñ é dos atletas a culpa é das equipes que nem espaço dam para os nossos melhores potenciais jogem! E O PIOR! QUANDO EU LEIO ALGUÉM DIZENDO QUE TEM BONS JOGADORES BRASILEIROS SEM EQUIPE sempre tem um idiota para dizer que os Lucas Costa e Jorginho da Vida são fraquissímos ,e por isso que estão sem time.

    Não se enganem desde dos Blogeiros até os Torçedores está o problema do desdém de como esses caras são discartados.

    PARABENS, pelo artigo.

    Will13,
    Abs

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  5. O Di jogou pelo Regatas de Campinas o Torneio Novo Milênio. Mas ele foi ficando sem espaço porque teve muitos problemas de lesão.

    E só corrigindo uma coisa no post acima. É Thomas Melazzo e não Thiago Melazzo. De resto concordo com o que você disse.

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  6. E parabéns Alfredo e Guilherme. Todos os dias entro para acompanhar a matéria de vocês. Sou o J-Rich do DB e sinto a falta de vcs dois nas discussões. Principalmente relacionada à NBB.

    Abração e novamente parabéns!

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  7. E a geração nascida em 1988 - a 4 ° colocada do mundial da Servia !?
    E a geração de 1990_ que nem para copa américa classificou. Como um time que tinha Benite, Fab Melo, Augusto Lima conseguiu esta façanha negativa?
    Amigos, voês vão ter que escrever uma coluna bem antes de 2021.
    Abraços
    Luiz

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  8. Lucas, você é amigo. Então não conta!

    Caio, muito obrigado pelo comentário. Infelizmente acho que é mais fácil escrevermos outras como essa do que o contrário mesmo. Tens razão.

    Algumas pessoas me atualizaram sobre Di, que jogou sim por Campinas o Novo Milênio, e foi um coadjuvante, novamente. Uma pena.

    Fala Will, sua reflexão foi tão complexa que mereceria outro post, mas acho que mais concordamos que discordamos. Agradeço pelos sempre inspirados comentários!

    Grande Felipe! não estava nos planos abandonar também o fórum, mas a correria está tão grande que, ou escrevo aqui, ou lá, as duas ficaram praticamente impossíveis. Espero que você continue segurando a onda com seus relatos dos jogos por lá. Valeu por trazer as info aí. Soube também que João Paulo jogou pelo Sport a última Copa do Brasil (informação do Lucas, do Draft Brasil).

    Fala Luiz, essa geração de 88 também tem tido muitos problemas né? Acho que no futuro quando formos escrevendo algo do tipo, teremos que falar um pouco da influência da formação espanhola em nosso basquete, que se torna uma realidade mais forte na virada do século, pegando gente das gerações a partir de 85 (acho que Splitter é o maior símbolo). Mas isso também dá outro post...

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  9. Gostei muito do texto. Parabéns, camaradas!

    Nesse ponto, minha memória perdeu para a internet: jurava que essa geração tinha perdido a classificação para o Mundial numa Copa América em Ribeirão Preto.

    ah, Guilherme, essa ideia de texto sobre a formação espanhola em nosso basquete é ótima!

    um abraço!

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  10. Fala Betão, vira e mexe você aparece por aqui! Ontem surgiu uma dúvida em relação a um erro de concordância meu, e pensei em te chamar pra me salvar rs (foi no artigo da entrevista do Teixeira).

    Essa geração que perdeu pra Argentina em Ribeirão foi a de 1982. Quando entrevistei o Delfino na época de Draft Brasil, ele falou sobre aquele campeonato:


    DB – Na sua opinião, qual foi a melhor partida na sua carreira? Na minha opinião foram os 23 pontos contra a Grécia, em Pequim e aquela partida semifinal da Euroliga, contra o Montepaschi Siena, quando você marcou 22 pontos (5 arremessos de 3 convertidos). Mas acho que você é mais apropriado pra falar disso do que eu (risos).

    Essas partidas são lembradas pelos grandes momentos que elas vieram a proporcionar. Mas sempre terei algo especial de cada partida que jogo. Algumas em particular. Me lembro de quando vencemos os EUA em Ribeirão Preto, na final panamericana sub 21. Foi um momento que me dei conta de tudo que podia vir a fazer. E também quando anotei 39 pontos na Liga Italiana, com apenas 20 anos de idade.

    aqui tem a entrevista completa http://www.draftbrasil.net/wordpress/entrevista-exclusiva-draft-brasil-carlos-delfino/

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  11. Em Ribeirão Preto na verdade eram os nascidos a partir de 80.
    Aquela seleção tinha como base o pessoal de 80, mais Nene e até Splitter.
    Era uma Copa América para o extinto mundial sub-21. Antes mundial juvenil era de 4 em 4 anos o que deixava uma geração no hiato.
    Destaques daquela competição, que eu me lembro foram Scola e Zach Randolph.
    Abraços
    Luiz

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  12. valeu Galo!

    fala Luiz, achei aqui os dados do campeonato de Ribeirão. Foi em 2000, um ano depois do Mundial.

    Nosso time tinha mesmo esse elenco bem amplo
    http://cbb.com.br/competicoes/america2000/pagina_time.asp?time=108

    a Argentina tinha Scola que era 79, e mais um monte de gente desse time que venceu o Brasil em 99 e o citado Delfino, o mais novo do time - deve ser por isso que guarda com tanto carinho. Mesmo dois anos mais novo, conseguiu ser destaque.

    Valeu pela mensagem!

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  13. Guilherme, o Scola é de 1980. Pelo menos no site da NBA esta indicando isso.
    Aquele campeonato era para nascidos a partir de 1980, se não estou enganado. Se voc~e tiver paciência, vera no site da CBB que o Scola é o único jogador do torneio que aparece como nascido em 79.
    Quem você acha que esta com a informação correta, NBA ou CBB?
    Abraços.
    Luiz

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  14. Alexandre Estefan - Chambo28 de junho de 2011 às 20:37

    Excelente matéria.
    E ótimo debate nos comentários.

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  15. Fiquei comovido com a relação que fez com a música (voltei a sentir aquela fúria branda que instiga a nadar contra correnteza) e os jogadores do grande jogo. Congratulações pela matéria.
    Weslley Franco

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