A geração que hoje atravessa a terceira década de vida certamente conhece The Kids Aren´t Alright, música da provavelmente mais popular fase da banda Offspring. Nela, os roqueiros contam a história de uma geração simbolizada por uma vizinhança decadente. De sonhos e promessas à cruel realidade, a canção se apresenta, para mim, como um dos grandes momentos da música com guitarras distorcidas dos últimos tempos. Sugiro, mesmo, aos leitores que se não puderem ver o vídeo acima colocado com legendas, que ao menos procure a letra.
Às vésperas da estréia no Mundial sub19 contra a potência do basquete, Rússia, um dado me chamou particular atenção: o nosso retrospecto contra os ex-soviéticos em mundiais da categoria. No confronto direto, temos vantagem de 1-0. O expressivo resultado foi conquistado em 1999, em Portugal, ainda em uma frase de grupos. No final, a Rússia terminou em sexto lugar e o Brasil em oitavo. Veja todos jogos da campanha:
Campanha Completa
15 Jul. 1999 | | |
16 Jul. 1999 | | |
17 Jul. 1999 | | |
19 Jul. 1999 | | |
20 Jul. 1999 | | |
21 Jul. 1999 | | |
24 Jul. 1999 | | |
25 Jul. 1999 | | |
Como toda competição deste nível, muitos nomes despontam e muitos ficam pelo caminho. No time russo que vencemos, havia o hoje conhecidíssimo
Kirilenko além do também campeão europeu
Nikolay Padius. Na Espanha, campeões do torneio (e que perdemos bem de pouco), o elenco é ainda mais impressionante, com nomes como os geniais
Juan Carlos Navarro e
Pau Gasol, e os menos estelares mas também brilhantes
Felipe Reyes,
Raúl Lopez,
Berni Rodriguez e
Carlos Cabezas. Na Grécia, os pivôs
Papadopoulos e
Antonio Fotsis puxam a fila. Na Croácia,
Zoran Planinic esquentava banco e na Argentina, que nos massacraram com certa facilidade e que tinha mesmo uma geração muito pior do que a anterior, estavam
Kammerichs e
Leiva, pivôs importantes mais tarde, em clubes e na seleção. Da Austrália, o ótimo
David Andersen dominava o garrafão, entre outros nomes com mais ou menos destaque no mesmo torneio.
Essa longa abertura serve para dizer menos que queremos analisar o que significam essas competições internacionais de base e mais para mostrar que nossa geração competia no mesmo nível contra a nata do basquete mundial da mesma geração. No entanto, ignorando certo catastrofismo, para o nível esportivo, o destino da geração não foi tão diferente do que dos vizinhos cantados pelo Offspring.
Não é má vontade de nossa parte dizer que nenhum dos atletas acima listados foram destaques internacionais. Com exceção de Guilherme Giovannoni, nenhum deles teve carreira considerável fora do país. Mais uma vez, com exceção do piracicabano, nenhum é considerado nome importante do basquete nacional. Diego é o único a fazer companhia ao então companheiro na lista de Magnano e sabemos que sua presença lá é a mais contestável. Mesmo Guilherme, que considero um craque, está longe do nível de alguns dos citados como destaques naquela competição, mas isso é outro assunto. A análise que propomos dos sonhos desperdiçados fica ainda mais catastrófica se formos nome a nome.
O simpático Di, líder do time no Mundial, se tornou um obscuro ala coadjuvante do basquete paulista que foi perdendo espaço a medida que o profissionalismo brasileiro avançava. Só terá espaço em times de ponta do país se vier do banco. Sinceramente, não sei por onde anda. Diego se tornou importante peça de escape ofensivo e nada muito além. É comum ouvir elogios ao seu talento e críticas às suas escolhas dentro de quadra. Lucas Costa (foto ao lado) mostra desenvoltura e um interessante arsenal ofensivo jogando pelos times capixabas. Seu melhor momento foi quando comandado por Paulo Murilo, interrompido pela falta de pagamentos do time do Saldanha que o obrigou a mudar-se para São Paulo. Jogou pelo Cetaf, mas não empolgou. Tiagão se tornou um dos melhores pivôs do basquete nacional. Tem bom chute de fora e interessante jogo interno. Não tem nível, no entanto, para jogar jogos mais difíceis, e por isso, raramente é lembrado para seleção. Jefferson Sobral dificilmente terá time para jogar no NBB 4. Teve passagem confusa por Joinville e lamentável em Araraquara. Amigo de Nenê, vira e mexe aparece tentando jogar Summer Leagues, mas sem nenhum sucesso. Da lista, Manteguinha é provavelmente o mais talentoso dos baixos. Acerta seu retorno para o basquete carioca na tentativa de ser um dos nomes da retomada do Tijuca. Chegou a ser convocado para a seleção principal recentemente mas, machucado, não apareceu. João Paulo Lima é recifense e até cheguei a confundir com Batista, mas não. É um pivô obscuro que jogou o NBB 1 pelo Londrina. Teve alguns problemas legais e não sei por onde anda. Luiz Felipe Lemes jogou em BYU com Baby e tem rodado no país desde que se formou nos EUA. Primeiro no Minas, depois no Paulistano, ainda está sem time para o NBB 4. Chegou a jogar por seleções em torneios menores, mas também não empolga ninguém. Guilherme Giovannoni teve passagens em divisões de acesso na Espanha e na Itália e chegou a fazer boas temporadas na Lega A. Decidiu voltar ao país e, desde então, se tornou atleta de elite da liga nacional. É sem dúvida o único nome incontestavelmente bem sucedido da lista e, ainda que não seja um jogador da elite do basquete mundial, tem sim uma carreira de sucesso. Jorginho jogou o primeiro NBB por Assis e desde então não tem mercado. Jogador de personalidade forte e bastante inteligente, usou o basquete para viver experiências de vida, mas não conseguiu emplacar na carreira e confesso não saber o que anda fazendo. Thomas Gerke foi reserva do Pinheiros nos últimos tempos e não sei se continua por lá com a contratação de tantos reforços. Dificilmente encontrará mercado para o NBB 4. Gil foi pivô no Fluminense na época de Marcelinho e pelo que soube, não joga mais basquete.
Notamos assim que nenhum joga fora do país. E pior que isso, apenas Guilherme, Diego e Manteguinha não estão procurando emprego. Com tantos anos de crítica do basquete brasileiro, ainda não havia encontrado um exemplo tão gritante para o desperdício de uma geração e uma expressão tão latente do que há de mais grotesco na organização do basquete brasileiro do que o que aconteceu com essa promissora geração. Adaptando a música citada do Offspring, a pergunta que fica é, como pôde, um trabalho tão grotesco engolir tantas vidas? E para tanto, nos últimos 10 anos, não houve nenhum trabalho estrangeiro por aqui. Não houve nenhum jogador nascido nos EUA se naturalizando brasileiro para roubar a vaga de ninguém. Foi a própria bagunça de federações, confederação e clubes criaram que acabaram por praticamente enterrar uma geração que se não venceu, ao menos jogou em alto nível com o que havia de elite no basquete mundial jovem da época (com exceção do sempre remendado time dos EUA sub19) e que resultou em grandes craques do nosso basquete de hoje. Algo que fica é que esses dirigentes ou continuam onde estão ou seguem suas carreiras em outros ramos do trabalho. Muito se fala que a torcida brasileira é quem mais sofre no processo o que não é inteiramente verdade. Na ponta mais frágil disso tudo estão esses sonhos desperdiçados. Tudo que poderia ser mas não foi.
Gosto e torço tanto por essa geração que disputará o Mundial sub19 nos próximos dias que confesso ter calafrios ao imaginar que posso escrever texto semelhante sobre eles em 2021. Os dirigentes de clubes e federações brasileiras, os manda-chuvas da CBB e os próprios agentes e pais de atletas têm imensa responsabilidade de decidir nas escolhas das carreiras de Raulzinho, Felipe Vezaro, Taddei, Lucas Bebê, Gabriel Aguirre, Cristiano, Davi, Ícaro (que nem lá está, por contusão), Arthur, entre outros. O destino pode ser catastrófico. Há de se lutar, pelo bem de nosso basquete e, principalmente, pelos garotos, que as coisas sejam diferentes. A bola que sobe na Letônia é só uma parte da longa caminhada. Não desperdicem outros sonhos.