segunda-feira, 4 de julho de 2011

Scola explica o locaute: “Hoje posso trabalhar onde quiser”

O site argentino Basquet Plus entrevistou o lendário ala-pivô Luis Scola num papo exclusivamente sobre o Locaute da NBA. Fiquei tão impressionado com a entrevista que quis compartilhá-la com o leitor do Giro. Para tanto, entrei em contato com Fabián García, responsável pela entrevista, que autorizou a tradução. A versão original você lê aqui. Obviamente que, por não ser um profissional do ramo, haverá imprecisões na tradução. No entanto, acho que colaborará para a compreensão do que se passa na liga mais rica do mundo, e nas palavras de um gênio como Scola.

O jogador argentino está legalmente sem trabalho e amanhã poderia jogar em qualquer equipe do mundo. Aqui explica o que é o lockout, suas causas, suas conseqüências e o que pode acontecer. Venha à LNB, Luifa!

Luis Scola está em Mar del Plata e quando convidamos a falar do lockout da NBA, não só não viu problemas como se prestou a explicar algo quase inexplicável por suas múltitplas variáveis.

Se anima a explicar que está acontecendo na NBA?
É bastante complicado explicar e bastante complicado entender. Eu, que provavelmente, sei muito mais que as pessoas normais que só consomem basquete, me custa terminar de entender e provavelmente sei uma porcentagem muito pequena. O primeiro ponto a entender é que não é uma greve. Parece uma greve porque aquí não temos isso. Um lockout é tecnicamente o oposto a uma greve. Os donos de equipe fazem um fechamento patronal quando cortam cortando os contratos e impedindo todo tipo de atividade. Não podemos trabalhar, nem treinar, nem usar nenhuma das instalações do clube e tampouco entrar em contato com ninguém. Tampouco, óbvio, cobrar nosso salário. Por isso, toda a Liga está paralisada.

Para que se entenda. Os contratos de todos os jogadores estão suspensos até que se resolva a situação. Não estão anulados.
Tipo isso. A Associação de Jogadores está de um lado. Os clubes do outro. Entre ambos se juntam e negociam o que se chama de convênio coletivo, trabalhista, que regulamenta tudo. Desde as coisas mais importantes, como salários, até se teremos ou não companheiros de quarto ou se treinamos dois turnos e quantas horas por dia. Esse acordo é um contrato, e dura o que estipula esse contrato. Normalmente dura 5 anos e este último se prorrogou. Creio que vem de 2003. Venceu 30 de junho. A questão é que esse convênio, os donos não querem e isso vai se resolver quando as negociações chegarem a um ponto em que se coloque de acordo com um novo para aí seguir adiante. Quando isso acontecer, em teoria, se recuperam todos os contratos e continua a NBA. E digo em teoria porque uma das coisas que pediram os donos é que as mudanças que se façam no novo convênio sejam com efeito retroativo. Ou seja, que os contratos anteriores se ajustem às novas regras que, se supõe, vão ser piores para os jogadores. O que seria um desconto importante nos contratos, menos anos, diferentes condições novas, piores para os jogadores.

É muito simplista dizer que é uma discussão econômica?
Sim e não. Sim porque a negociação tem mil arestas. Agora, se você quiser, pode encontrar um fim econômico em cada uma delas. No fim das contas, é um negócio. Em que termina todo negócio? Em uma discussão econômica. Os jogadores pedem mais ou menos anos de contrato. Poderíamos dizer que isso não é econômico. E outro poderia dizer que sim é econômico. Os jogadores quando assinam por seis anos garantem seis anos de um salário, e quando assina por dois garantem dois anos desse salário. Todos os pontos de discussão, em algum momento, se materializam na divisão do dinheiro.

Pode explicar ao menos algumas das diferenças que existem na negociação?
Posso te explicar os pontos chaves, ainda que existam muitos. Os pontos chaves são os anos de contrato, os contratos garantidos. Eles querem que os contratos não sejam garantidos, o que é um ponto muito conflituoso.

Nem mesmo os de cinco ou seis anos?
Depende dos anos que te garantissem. No final, se assinas por seis mas te garantirem um, terás um contrato de um ano. Não manter os contratos garantidos seria um fracasso retumbante dos jogadores. A quantidade de anos de contrato hoje está em seis para renovar e cinco se assinar com outro time. Querem que baixe. E a divisão dos lucros, que atualmente está em 57% para os jogadores.

Eles querem quanto?
Não sei bem porque foi uma das coisas que mudaram no final. A última era 49 ou 48% para os jogadores. Era um número bastante grande em dinheiro total. A questão é que o 57% não é um cheque que vai aos jogadores. É o que depois vai determinar o limite salarial. Quero dizer, os 57% do dinheiro que a NBA fatura se divide por 30 e isso marca o limite salarial e volta em forma de salário. Mas, hoje em dia, as equipes têm várias exceções que o permitem gastar acima deste limite salarial. Por isso há equipes que estando hoje no limite, creio que de 68 milhões, têm uma folha salarial de 95 ou 96 milhões. É muitíssimo o que podem fazer com essas exceções. Um dos pontos mais conflituosos que eles querem é o que se chama de hard cap. Um limite salarial duro que não tenha exceções. Isso ampliaria muito o corte aos jogadores. É bastante complicado tudo, como se poderá ver. Deixa eu te esclarecer que eu não penso que o acordo seja atualmente justo e que tudo bem que a NBA o ajuste um pouco e os jogadores tenhamos que aceitar algo porque há uma crise mundial muito grande e nós jogadores temos que nos resignar. O que acontece é que os clubes são os que estão exigindo. Nós estamos bem assim. Mas é provável que os jogadores teremos que aceitar coisas piores que as do acordo anterior.

O que está claro é que estamos falando de umas cifras que devem gerar pressões inimagináveis. Foi dito que jogadores ofereceram baixar 500 milhões de dólares em salários em 5 anos (100 por ano).
Claro, a questão dos números é difícil. Se tens um limite de, por exemplo, 40 milhões, rígidos, e isso vai aos jogadores, é uma coisa. Agora esses 40 vão aos jogadores e mais ainda aquele que excede dos limites salariais por meio das exceções. Se você passar de 57% a 51! E o limite seguir sendo flexível, são 6%. Agora se de 57& flexível passa a 51% rígidos, é muitíssimo mais que 6%.

Faz quatro anos que você está na NBA. Sempre se falou dessas coisas ou nos últimos tempos que começaram?
Quando eu cheguei, sabia que este ano teria um lockout.

Mas os jogadores se uniram?
Os jogadores são como todos. Se uniram no momento que tocam em seus bolsos. É difícil unir pessoas simplesmente porque as coisas estão mal.

E Hunter (presidente da Associação dos Jogadores da NBA), é um cara que tem apoio?
Sim, tem apoio, mas aqui os donos têm uma vantagem, porque é muito difícil juntar 400 ou 500 jogadores para ficarem em acordo. É impossível, na realidade. Tem gente inteligente, tem gente que não. Tem gente que se importa, tem gente que não. Um garoto que assinou contrato por um ano não se importa por aqui perder um ano mas sim que haja algum acordo de cara para o futuro. Ao contrário, um cara que ainda tem 4 ou 5 anos de seu melhor contrato, se importa menos com o acordo pro futuro. O que importa é que não mexam nesse contrato. Há muitos interesses díspares dos jogadores. Os donos, ao contrário, são 30. É muito mais fácil. São 30 homens de negócios de absurdo êxito, que tiveram garantidas educação, capacidade e um monte de coisas que nós jogadores não temos. Nesse sentido, temos uma desvantagem. Então se perguntarás, os jogadores estão contentes com Hunter? São 400. Haverá alguns que não, outros que sim e outros que não terão nem idéia.

Imagina uma temporada sem NBA?
Não, mas também não imaginava um lockout. Cada dia que vai passando eu vou imaginando mais, lamentavelmente.

O que parecia estar perto de acontecer é que pelo menos o começo da temporada tenha complicações.
É difícil saber, é o que dizem todos. Dá a sensação que os donos estão jogando um pouco com isso. Os jogadores estão cobrando o dinheiro de seus contratos até dezembro alguns, setembros outros, junho. Se crê que os donos estão esperando que chegue o momento em que deixem de chegar esses cheques todos os meses a cada para jogar um pouco com isso. Eles têm isso a favor. Se não temos esse dano por aí nunca vamos crer que isso está acontecendo de verdade. Se essa é a estratégia dos donos é um problema, porque até novembro a maioria de nós, jogadores, não deixamos de cobrar.

Te faço duas perguntas um pouco absurdas para que as pessoas entendam melhor. Amanhã te liga o Peñarol de Mar Del Plata e você pode assinar?
Sim.

Segunda. Saindo daqui agora, descendo a escada, torce o tornozelo. Tem seguro?
Há um conflito muito grande com isso. Se o dia que se resolver o conflito eu estiver pronto para jogar, não deve ter problema nenhum e ninguém deve recriminar de nada. O conflito está sempre nas situações extremas. Agora mesmo não estou assegurado e não tenho contrato. Na realidade, eu não estou assegurado. Meu seguro é meu contrato. Se algo acontece comigo, o clube está obrigado a me pagar o contrato. O clube, por sua vez, busca um seguro para não ter que assumir o custo se acontecer algo comigo. Neste momento, de todos os modos, posso trabalhar do que quiser porque não tenho trabalho e meu contrato está inválido. Se supõe que qualquer atividade tem um risco e que eu estou em meu direito de usar meu corpo para ganhar a vida enquanto o clube não me permite trabalhar. Essa é nossa teoria. Ainda que a dos donos seja outra. Nesse caso, o que esperamos que não ocorra, decidirá um juiz, suponho. O que tenho claro é que se não se joga a temporada, eu em algum lugar vou jogar.

A Europa está com grande expectativa. Está claro que a maioria das estrelas vai esperar que se suspenda a temporada da NBA para ir jogar em outro lugar, mas muitos esfregam aos mãos esperando em uma Super Euroliga, pelo menos para 2012, porque o salto poderia se dar em janeiro. Acha isso possível?
Vejo muitíssimo mais complexo que isso. Primeiro porque se Europa tivesse dinheiro para pagar a todos esses jogadores, já estariam lá. Os jogadores top é difícil que se mudem. Ninguém tem capacidade de pagar 30 milhões de dólares a Kobe Bryant.

Ainda que não possam jogar?
Olha, Kobe Bryant não vai jogar por 2 milhões. Não é tão simples dizer que os jogadores livres vão à Europa. Depois há uma realidade que não há tantos espaços na Europa para jogar. Vai ter uma porcentagem de jogadores que está claro que vão, vão jogar na Europa. Mas não creio que haja uma onda de jogadores que vá à Europa. Se vão dividir pelo mundo. Europa, ademais, tem um problema. Muitos acreditam que alguém vai dizer “bom, vou ao Barcelona e pronto”. Não. São instituições sérias que têm um projeto e têm jogadores. Por exemplo, no Barcelona está Navarro, que é a super estrela, que ganhou Euroligas, que ganhou tudo com o Barcelona. Você acredita que Barcelona vai levar Kobe Bryant, Navarro vai ser reserva, e se vem por um mês não importa? São instituições sérias. Kobe Bryant é um mau exemplo, porque aí o levaria o Barcelona, mas dá no mesmo. Não é fácil que as equipes européias rompam tudo, mudem suas estruturas, porque são sérios. Um pouco vai acontecer, mas não vai ser tanto assim.

De todos os modos, se anulam a temporada, vai pensar na Europa.
É difícil ir à Europa. Vou buscar jogar em algum lugar. Eu onde quiser, que possa voltar à NBA e que aceite as condições. E não é fácil encontrar um clube na Europa que aceite as condições como ir jogar por dois ou três meses, que depois parta e lhes deixe na mão, que necessitem um ala-pivô. São muitas coisas que têm que ver, mas vou jogar em algum lugar.

Cuidado que vai deixar sonhando os argentinos também.
Hehe, a idéia é que exista NBA. Não me pautei ainda sobre jogar a NBA no ano que vem. Quando chegar o momento, ou a medida que for chegando a hora, vou buscar as opções, porque é minha obrigação, meu trabalho.

OBS: O Tiago Splitter (via Rádio Estadão/ESPN) e o Glauber Rocha (Spurs Brasil) foram pioneros na "arte de explicar o locaute" por aqui. No entanto, o tema é tão complexo que a detalhada explicação do Scola é bem vinda.

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