sábado, 23 de abril de 2011

A bola pune ou crônica de um atraso remediável

Estive no ECP na última quinta-feira na final do Interligas. A casa estava cheia. Assisti a partida ao lado de Fábio Balassiano que já contou muitas coisas do confronto no blog. Compartilho de boa parte da análise. Discordo quando ele não chama Osimani de gênio. Mas isso é outra coisa.

Concordo que houve um momento chave do jogo. E foi mesmo quando Pinheiros marcava bem e ousou alternar para uma mal colocada defesa zona, que em dois lances em que enfrentadas, tomou um tiro de três pontos que ressuscitaram os argentinos. Foi uma má decisão que João Marcelo terá que arcar.

No entanto, acredito que essa má decisão tem menos a ver com o trabalho de JM e mais a ver com o que tem acontecido nas quadras brasileiras há algum tempo: há ao mesmo tempo que (inseparável deste, eu diria) o exagero dos chutes de fora, uma banalização da alteração defensiva. No basquete brasileiro, temos visto, costuma haver um sistema de jogo não muito bem concebido de ritmos defensivos, com rápidas alterações. São, em geral, três, que variam sem alterar substancialmente nenhum deles:

- a defesa individual clássica: ainda que variada de maior ou menor intensidade de trocas e fundamentalmente de qualidade nas ajudas acaba por determinar a qualidade deste ou daquele time no setor defensivo.


Quando esta costuma falhar, a solução é sempre rápida e óbvia: a tal defesa zona em suas mais variadas posições numéricas. Tivemos, recentemente, não nos esqueçamos, uma série final em que a defesa zona chegou a ser a primeira opção defensiva. Flamengo e Universo, no ano passado, aproveitando a mesmice dos ataques brasileiros, tiveram soluções que costumam aparecer em jogos de cadetes para apostar, vejam só o paradigma da mediocridade, no erro, em vez de forçá-lo. Seguindo pois, esta, a inevitável segunda opção de tudo e todos.

- a defesa zona que aposta em vez de forçá-lo: óbvio que ela varia. Já estive presente em jogos em que ela foi bem colocada, como por exemplo por Limeira, que tem em Tatu um líder desse tipo de posicionamento em quadra. Em geral, no entanto, e no caso específico da final do ano passado, baseada no paradigma da mediocridade: em contar com o erro adversário.

Não por acaso, na época, Nezinho lançou a frase clássica que ganharam "apesar da zona covarde". O que quero dizer no meu argumento é que por aqui, essa pobre variação tem sido feita por um motivo principal: a pobreza de variação de nossos ataques permite que ela funcione.

Pois o que vi, à beira da quadra do Pinheiros (aliás, melhor lugar em que já assisti um jogo de basquete, com uma visão de fato privilegiada) foi uma imensa facilidade dos argentinos lidarem com tais problemas. Quando não foram aquelas duas bolas de três que mataram o jogo foram rápidos high-low, ou as vezes simples bloqueios irremediáveis em trocas apressadas de nossas mal acostumadas defesas. Qualquer variação defensiva é desastrosa quando um time a lê e a mina desde o princípio. Foi o que aconteceu no ECP. Tão acostumados a ver times brasileiros tentando superar este tipo de alteração com longos chutes, ao enfrentar um tão bem sistematizado ataque argentino, caímos de joelhos.

Por fim, o terceiro tipo de variação tem menos a ver com situações de jogo, mas mais a ver com a intensidade em que o time se posta em quadra. No Brasil, não quero ser injusto, mas me parece que apenas Demétrius notou isso. Falo de uma variação que é menos uma alteração e mais um fundamento.


- pressão que marca quadra toda: a pressão que marca quadra toda, acredito, é diferente da pressão quadra toda. Uma coisa é organizar, independente do posicionamento "numérico", situações de jogo em que você coloca seu time todo dentro da quadra adversária a fim de pressioná-los e encurtar o relógio de 24 para 8 segundos. Outra coisa é ao ter, como idéia de jogo, a pressão do homem da bola, posicionar todo o seu time em função disso. Tenho a impressão, outra vez, que Demétrius foi o único treinador que usou como expediente o conceito de pressão quadra toda como fundamento de seu jogo. Para tanto, precisava de pernas e talento defensivo, que encontrou no cansaço de Tatu, a chave do fracasso.

Mas, mais uma vez, essa confusão costuma não ser punida por aqui. Rápidas "alternativas" de pressionar o adversário desde sua quadra acontecem o tempo todo e não raramente costumam ser bem sucedidas. A falta de qualidade no controle do drible dos armadores e a escassa utilização de dois armadores por aqui acaba por facilitar que essa rápida alternativa funcione. Costuma funcionar, de fato.

No Pinheiros, anteontem, mais uma vez, não funcionou. Com Cequeira e Osimani (gênio) em quadra, e um time bem treinado pelo gentleman Julio Llamas, não consigo me recordar (me corrijam se eu estiver errado) de nenhuma situação em que a pressão lá em cima tenha sequer retardado as rotações ofensivas argentinas.

Acredito, portanto, que se notarmos essas fragilidades de nossas variações defensivas - e sobretudo, a idéia de que se tem em "apostar no erro" que acontece ou nos chutes da linha de fora ou na condução do campo defensivo ao ofensivo, podemos afirmar que a derrota do Pinheiros de anteontem tem muito a ver com nosso atraso tático perante a Argentina. Perdemos de apenas 3 pontos, o que mostra que o atraso tático é remediável.

Os remédios podem ser das mais variadas composições. Se a bola do Olivinha que girou o aro e saiu entra, estaríamos mesmo contando outras histórias. Porque basquete não é só definido na superioridade tática. O estado emocional dos jogadores, inflamado por uma torcida que há muito não se via no basquete da capital paulista (mais de mil torcedores em dia de feriado!), a capacidade técnica dos jogadores e a dinâmica do jogo poderiam ter dado a vitória ao time brasileiro mascarando o nosso atraso tático - que por sinal, devemos dizer, não é só defensivo, nem só ofensivo, mas caminha em mãos absolutamente complementares.

Os fatores apareceram, mas não foram suficientes para darem o título ao time pinheirense. Por isso, hoje choramos mais uma vez pela bola que, no cenário internacional, costuma nos punir. Por ora, a tática nos venceu, como usualmente tem nos vencido.


Amanhã volto com mais impressões desta final da Interligas.

Fotos de Luiz Pires - divulgação.

3 comentários:

  1. Parabéns pela precisa análise nos dois artigos, Guilherme. Vejo com incontida satisfação observações técnico táticas bem estruturadas como essas. Sem dúvidas, precisamos respirar novos ares, para soerguer o grande jogo no país.
    Um abraço, e muito sucesso para o blog.
    Paulo Murilo.

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  2. Olá prof. Paulo.

    Receber um comentário elogioso seu é sempre muito gratificante, sabendo da admiração que tenho pelo seu blog e seu trabalho. Obrigado, de coração...

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  3. post sensacional. bela análise

    fico mto feliz em ver gente capacitada e com disposição para fazer análises mais profundas como essa. serve de grande aprendizado pra nós, "torcedores comuns". parabéns

    jônathas

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